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Diálogo entre dois cancioneiros: o trovadorismo galego-português nos sec. XIII e XIV

José D’Assunção Barros

 

Resumo

 

Dentro de uma abordagem histórica da Literatura Medieval, o objeto principal deste artigo consistirá em apresentar e contextualizar a poesia e o movimento trovadoresco galego-português dos séculos XIII e XIV, considerando as semelhanças e contrastes recíprocos perceptíveis nos manuscritos que registram esta poesia trovadoresca. É discutida mais especificamente a influência, nesta produção poética, do contexto histórico assinalado pelos processos de centralização régia nos reinos de Portugal e Castela, atentando para seus momentos diferenciados na segunda metade do século XIII e na primeira metade 

do século XIV. 

Palavras chaves: Trovadores medievais ibéricos; centralização política, literatura 

medieval. 

 

Abstract

 

According an historical approaching of the Medieval Literature, the principal subject of this article consists in present and contextualizes the poetry and the movement of the galego-portuguese troubadours in the XIII and XIV centuries, considering the similarities and reciprocal contrasts perceptible in the manuscripts that register this troubadour’s poetry. It is discussed most specifically the influence, in this poetical production, of the historical context signalized by the process of political centralization in the kingdoms of Portugal and Castela, attempting for their differentiated moments in the second half of the XIII century and the first half of the XIV century. 

Key-words: Iberian medieval troubadours; political centralization, medieval literature. 

 

DIÁLOGO ENTRE DOIS CANCIONEIROS – o trovadorismo 

galego-português nos séculos XIII e XIV. 

Quando se faz um balanço geral da cultura na Idade Média, um dos fenômenos mais recorrentes em qualquer panorama descritivo é certamente o trovadorismo. O movimento dos trovadores medievais – em países e regiões várias que vão da França e Europa Central à península Ibéria – certamente marcou o seu próprio tempo e as épocas que lhe sucederam. Em pleno século 

XXI, existe um mercado certo para os apreciadores da música dos trovadores, recuperada a partir de partituras manuscritas que podem ser encontradas nos arquivos e que daí se abrem para a interpretação de músicos modernos que contam com toda a tecnologia da indústria fonográfica contemporânea. De igual maneira, apesar de vivermos em uma época por vezes excessivamente utilitária, o próprio imaginário amoroso do homem ocidental é muitas vezes tocado pelas novas formas de sensibilidade que à sua época se consolidaram a partir da prática do Amor Cortês tal como a projetaram os trovadores medievais. Também os historiadores, por fim, utilizam-se cada vez mais das fontes trovadorescas para compreender as sociedades medievais, seu cotidiano e suas mentalidades, seus padrões de organização social e suas relações políticas. 

O nosso presente estudo irá se concentrar especificamente na poesia dos trovadores ibéricos, que dentro do quadro mais amplo do trovadorismo medieval tem as suas próprias especificidades. Desde já podemos ressaltar que – entre algumas das principais singularidades do 

trovadorismo galego-português – destaca-se o fato de que os meios trovadorescos ibéricos dos séculos XIII e XIV eram ambientes excepcionalmente abertos à crítica social, política e pessoal. 

Desde que através do discurso poético-satírico ou travestida através do humor, muita coisa podia ser dita através das canções trovadorescas de cunho satírico, o que incluía críticas sociais e políticas de todos os tipos. Nem mesmo os reis – e aqui estaremos falando mais especificamente dos reinos de Portugal e Castela – escaparam de algumas críticas bem-humoradas que ficaram registradas nas páginas desta poesia. Este é na verdade apenas um dos sintomas mais claros de que a arena social dos trovadores ibéricos dava-se de maneira tal que todas as classes e grupos sociais podiam se criticar reciprocamente com relativa liberdade. 

Naturalmente que a liberdade de crítica e enfrentamentos sociais que despontava no seio 

dos ambientes trovadorescos ibéricos tinha também as suas normas, os seus limites, os seus 

interditos – conforme veremos oportunamente. Por ora, contudo, nossa atenção se voltará para uma 

aproximação em maior detalhe destes grandes registros da poesia trovadoresca ibérica que chegaram 

até nossos dias, e que hoje permitem que estudiosos de letras, comunicação e história possam 

vislumbrar através da poesia algo do que foi a Idade Média. Nosso objetivo mais específico será 

empreender uma análise comparativa dos cancioneiros onde se acha registrada a poesia dos 

trovadores ibéricos, na intenção de perceber os seus contrastes e similaridades. 

Antes de mais nada, ressaltaremos que o chamado ‘cancioneiro galego-português’ – 

registro da poesia ibérica que circulava oralmente entre os séculos XIII e XIV nos reinos de Portugal 

e Castela

 – desdobra-se na verdade em três documentos principais. São eles o Cancioneiro da 

Ajuda, O Cancioneiro da Vaticana e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional. Chamamos ao conjunto 

da poesia trovadoresca ocidental-ibérica deste período de “cancioneiro galego-português” por

 uma 

razão específica: o fato de que os trovadores de Portugal e Castela, os principais focos deste 

movimento trovadoresco, escolheram como idioma comum para a sua poesia o idioma galeg

mas sim um recorte mais específico que se refere àqueles "paços trovadorescos" (isto é, ambientes 

trovadorescos das cortes régias). Por outro lado, o conjunto dos três cancioneiros também não 

representa "toda" a poesia trovadoresca das cortes régias, mas apenas aquela parte que se decidiu 

compilar por escrito – o que por si só já nos coloca perante problemas de ‘filtragem’ a serem 

considerados. Em todo o caso, teremos aqui uma poesia bastante representativa da poesia 

trovadoresca ibérica, conforme poderá ser verificado oportunamente. Ainda com relação ao aspecto 

da representatividade, vale destacar que algumas das cantigas trovadorescas galego-portuguesas 

aparecem em um e outro destes cancioneiros, e às vezes em apenas um deles, de sorte que – para se 

contar com todo este conjunto denominado ‘cancioneiro galego-português’ – é preciso realmente 

contar com os três conjuntos documentais. 

Os manuscritos encontram-se atualmente nas bibliotecas que lhes emprestam seus nomes 

(Biblioteca da Ajuda, Biblioteca da Vaticana, Biblioteca Nacional). Foram compilados entre a 

última metade do século XIII e a primeira do século XIV. O primeiro deles – o Cancioneiro da 

Ajuda – começou a ser compilado na última metade do século XIII, possivelmente na corte do rei 

Dom Afonso X de Castela, o que portanto nos coloca diante de um manuscrito produzido no próprio 

período do trovadorismo galego-português. Quanto aos outros dois, embora compilados em período 

posterior na Itália, consta que ambos teriam tido por fonte comum um certo Livro de Cantigas do 

Conde Dom Pedro que havia sido posto por escrito na primeira metade do século XIV e depois 

desapareceu

Ainda com vistas a uma correta contextualização da passagem da poesia trovadoresca 

galego-portuguesa para o registro escrito, vale lembrar que a compilação destes cancioneiros (o 

Cancioneiro da Ajuda e o Livro de Cantigas hoje desaparecido) deu-se por iniciativas régias e da 

nobreza, seja em Portugal ou Castela, dentro de um contexto em que os dois reinos enfrentavam 

problemáticas semelhantes no que se refere ao embate entre o projeto centralizador régio e a 

tendência de autonomia senhorial de um dos setores da nobreza. Também coincide para os dois 

reinos um mesmo quadro social, marcado por uma diversidade aristocrática da qual a divisão básica 

entre ricos-homens e infanções é apenas um dos  muitos elementos de heterogeinidade interna ao 

http://www.letramagna.com/josebarros.pdf

 

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